Nestes 10 anos de existência da Avesso, observamos mudanças relevantes nos cenários global e brasileiro que impactaram profundamente a gestão da sustentabilidade corporativa
por Judi Cavalcante, sócio-fundador da Avesso Sustentabilidade
A análise de estudos e o monitoramento constante do cenário, necessários à execução de projetos de consultoria – diagnósticos socioambientais, elaboração de materialidades, coletas e análises de indicadores, planos de ação, estruturação de governança –, nos permite afirmar que, na última década, a agenda e os desafios das empresas mudaram dramaticamente.
Neste período, houve uma significativa ampliação e diversificação dos temas sobre os quais as corporações passaram a gerir e a relatar, seja por compromisso, pressão dos stakeholders ou por novas regulamentações que alteraram o ambiente de negócios. Com isso, intensificou-se a atribuição de responsabilidades e aumentaram as expectativas sobre o papel das empresas na gestão da sustentabilidade, em busca de um equilíbrio ambiental e melhor qualidade de vida no Brasil e no mundo.
Mudou a cena. E as empresas, mudaram a sua forma de gerir a sustentabilidade, mitigar riscos e impactos?
A resposta simples e direta é: sim, melhoraram. Entretanto, quando observados os desafios colocados e o poder – econômico, técnico, humano e político – que têm as empresas, pode-se considerar que as melhorias foram incrementais e absolutamente insuficientes.
Como são muitos os elementos de análise, dois aspectos podem ser destacados para corroborar essa afirmação. O primeiro está situado no campo ambiental – as mudanças climáticas, tema hoje muito familiar para os líderes empresariais e o mundo corporativo.
O segundo aspecto é o combate às desigualdades sociais, assunto sobre o qual as empresas têm menos domínio, mas que pelos impactos que gera ou pode gerar para o ambiente dos negócios, deveria merecer mais atenção.
Não há dúvidas de que os impactos das mudanças climáticas é o tema da agenda da sustentabilidade que mais recebe atenção e prioridade – estratégica e financeira – das lideranças corporativas. Não é por acaso.
Contribuição do mundo corporativo para frear a crise climática ainda é tímida
Para além de ser um assunto muito disseminado pela mídia e nas redes sociais, o tema tem sido objeto de diversas pesquisas e estudos científicos e de iniciativas de regulamentação (normas, leis e tratados) que deram novas configurações ao cenário da sustentabilidade e dos negócios de 2014 para cá.
Por um lado, temos que reconhecer que as corporações mudaram as suas estratégias relativas à sustentabilidade – isso desde o chamado de Kofi Annan, então secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), no início dos anos 2000. Por outro, frente à urgência e aos riscos colocados para a sobrevivência da humanidade e do planeta, a contribuição do mundo corporativo – embora muito relevante – tem produzido resultados aquém das capacidades concretas das corporações.
Estamos fracassando no que diz respeito ao clima e aos impactos desastrosos que as suas mudanças vêm causando. Nestes 10 anos de Avesso, tivemos a realização de diversas Conferência das Partes (COPs). Entretanto, andamos a passos de tartaruga na descarbonização e transição energética, na capacidade de adaptação e resiliência climática e no financiamento dos países menos industrializados para que desenvolvam políticas visando à baixa emissão de gases de efeito estufa – principais objetivos do Acordo de Paris. Enquanto isso, o aquecimento global corre como uma lebre!
Em 2023, o planeta apresentou as maiores taxas médias de temperatura, ameaçando a vida de todos os seres, biomas, territórios e gentes, em todas as partes do mundo. Já os ODS regrediram vários passos na última década, com piora significativa dos indicadores de todas as áreas – ambiental, climática, econômica e social.
Levantamento recente da ONU aponta que, no ritmo atual e com as promessas nacionais feitas para serem atingidas até 2030, caminhamos para um aumento de temperatura média global entre 2,6°C e 2,8°C na comparação com a era pré-industrial. Em um cenário 0timista, no fim deste século alcançaremos 1,9°C – isso se todas as promessas e metas forem cumpridas pelos países ao redor do mundo.
No Brasil, o setor privado pode e deve apoiar mais a redução da desigualdade social
Se estamos indo mal – governos e empresas – na adoção de medidas concretas e efetivas para deter as mudanças climáticas, o que dizer então de outros temas tão relevantes quanto o clima na agenda da sustentabilidade, como é o caso da desigualdade social?
O Brasil tem índices vergonhosos de pobreza e extrema pobreza. Entretanto, pouquíssimas empresas brasileiras ou que atuam no mercado nacional dedicam atenção, prioridade e recursos para este tema.
Embora a taxa de pobreza em nosso país tenha caído, alcançando 27,5% em 2023 ante 31,6% em 2022 – sendo o menor patamar do índice de pobreza registrado pelo IBGE desde 2012–, são números ainda vexatórios para um país que produz tanta riqueza.
Serviço essencial, o saneamento básico reflete bem as desigualdades sociais em nosso país. Aproximadamente 15% da população brasileira não tem acesso à água potável, e 42% não possui rede de esgoto tratado. Números próximos a de países pobres da África e Ásia.
A questão climática aparenta ser um assunto mais claro para os negócios, mas o que a desigualdade tem a ver com a gestão corporativa? Tudo.
Poderíamos ficar apenas no argumento do imperativo ético. Afinal, numa economia capitalista, o setor privado é o maior produtor de riqueza e, portanto, tem o dever ético e cívico de se preocupar com a distribuição do valor que gera, não só para os seus acionistas, executivos e funcionários, mas também para a sociedade.
Mas há razões objetivas do ponto de vista dos negócios. A desigualdade econômica e social afeta diretamente o crescimento e a estabilidade do país, o que, por sua vez, afeta de forma direta os custos e o desenvolvimento dos negócios, já que qualquer atividade empresarial necessita de um ambiente previsível e seguro – em todos os sentidos – para prosperar.
Por suas capacidades financeira e técnico-operacional, pelo poder de influenciar as políticas públicas e devido à dimensão dos problemas, a participação das empresas é relevante, tanto no campo ambiental quanto no campo social.
E o setor privado tem como e deveria melhorar a qualidade e o volume de sua participação na área social, atuando de forma direta ou em parcerias com as organizações da sociedade civil e os governos que, sozinhos, não darão conta dos desafios que compõem a vasta agenda da sustentabilidade.
Para além da geração de emprego e tributos, é louvável que as empresas tenham aumentado seu investimento no campo social na última década. Entretanto, sua contribuição para a mitigação das mazelas sociais do nosso país ainda deixa a desejar. Isso se explica, em parte, pela grande complexidade da atuação na área social, na qual os problemas são multifatoriais, os resultados costumam aparecer no longo prazo e as soluções exigem cooperação e ações alinhadas às políticas públicas. Vamos combinar: essas não são exatamente expertises típicas das empresas.
A participação das empresas é essencial na busca por um mundo sustentável
Tanto na questão do clima quanto do combate às desigualdades, o cenário parece desolador. No entanto, há sinais animadores. Na conformação do ambiente de negócio, segurança jurídica e transparência para exercício de uma atividade mercadológica com impactos positivos – com lucro, diga-se de passagem – há diversos exemplos que apontam na direção de um avanço nos aspectos relevantes para a gestão da sustentabilidade corporativa.
No Brasil, são várias as iniciativas e em diferentes frentes que apontam que importantes passos vêm sendo dados nessa direção e dão concretude à esperança de que é possível avançar. Destaco alguns exemplos.
No campo regulatório, as recentes resoluções da CVM sobre o relato da sustentabilidade indicam e impõem a necessidade de maior responsabilidade das grandes companhias de capital aberto, assim como a regulação do mercado de carbono.
No setor financeiro, ganha destaque a taxonomia das finanças sustentáveis, já na fase de consulta pública, que poderá estabelecer melhores parâmetros, transparência e consistência na definição de ativos ou projetos (ambientais ou sociais) que se apresentem como sustentáveis.
Outros exemplos são a adesão de grandes bancos brasileiros a iniciativas globais de mobilização de ativos, com o objetivo de financiar a transição para uma economia de baixo carbono, alinhada ao Acordo de Paris, e a abertura efetiva de linhas de créditos que utilizam como foco a redução das emissões de CO2 e objetivam a meta de carbono neutro até 2050.
Até o agronegócio brasileiro, setor que mais emite gases de efeito estufa e que escapou da regulação do mercado de carbono, tem bons exemplos. O agro vem aderindo – devagar, é verdade, mas vem – a iniciativas e métodos de produção que pressupõem recuperar a saúde do solo e dos ecossistemas e respeitar a natureza, como é o caso da agricultura regenerativa. E faz isso com bons índices de produtividade e de lucros financeiros.
No campo social, embora as empresas tenham preferência para os temas ligados ao empreendedorismo e à educação – o que é legítimo e justificado –, já existem empresas (pouquíssimas ainda) que estão apoiando iniciativas ou desenvolvendo projetos de combate à fome, à pobreza e às desigualdades sociais. Assim, dada a absoluta insuficiência dos programas e investimentos públicos darem conta, sozinhos, dos desafios que compõem a vasta agenda da sustentabilidade, ganha relevância a participação das empresas.
O mundo corporativo pode contribuir de forma ainda mais relevante no enfrentamento e reversão de um quadro que pode vir a se tornar irreversível nas áreas ambiental e social, com graves entraves ao exercício da atividade empresarial e à perenidade das empresas.
Só com um mundo sustentável que se constrói negócios de valor
A série de conteúdos que se inicia com este artigo e a maior presença da Avesso nas redes sociais faz parte do aprimoramento da nossa comunicação. Aproveitamos a efeméride de uma década de existência e refletimos sobre a trajetória que nos trouxe até aqui.
Começamos por mudar a nossa identidade visual. Consolidamos a nossa visão: continuaremos a ser uma consultoria pequena, especializada e parceira das empresas na busca de um mundo sustentável.
Como indivíduos e gestores da Avesso, sabemos que nossa contribuição para a sustentabilidade global é restrita. Entretanto, para nós, só com um mundo e sociedades sustentáveis que se constrói negócios de valor. É isso que buscamos. Questionar modos perpétuos e verdades absolutas. O avesso não é o contrário. É a matéria vital que está do outro lado, e importa ser visto.