Agenda ESG: nuvem passageira ou compromisso ético e visão estratégica das empresas?

Nos últimos anos, é possível afirmar que a agenda ESG se tornou estratégica e central na narrativa do mundo corporativo. Grandes empresas se comprometeram publicamente com objetivos e metas ambiciosas, declarando que o futuro dos negócios dependia de uma gestão mais sustentável e inclusiva.

Entretanto, a se observar os ventos quentes que sopram da América do Norte, o ímpeto das grandes companhias arrefeceu mais rápido do que o derretimento das geleiras ocasionado pelas mudanças climáticas que, ironicamente, essas mesmas corporações contribuem para acelerar.

Recentemente, uma leva de grandes corporações e instituições financeiras globais – especialmente norte-americanas – anunciaram a decisão de abandonar espontaneamente alianças, tratados e iniciativas que visam à mitigação dos impactos ambientais que causam as mudanças climáticas, como também reduziram ou simplesmente deixaram pra lá as metas relativas a temas da agenda ESG com as quais haviam se comprometido publicamente – e com grande alarde.

O movimento de debandada de grandes corporações aparenta ter uma relação direta com a eleição presidencial nos Estados Unidos, embora tenha se iniciado um pouco antes da definição do resultado. Com a vitória de Donald Trump, os anúncios se intensificaram. Pelo teor das declarações da alta liderança dessas empresas, parece claro que o movimento busca um alinhamento com a corrente política contrária às pautas ambientais, de diversidade e de respeito aos direitos humanos, já se antecipando a eventuais pressões e retaliações a suas operações e negócios e, como consequência, à obtenção de lucro.

Diante dos dados recentes sobre as desigualdades e o aquecimento global, este movimento causa apreensão. E pelas medidas iniciais divulgadas pelo mandatário-chefe norte-americano, há razões de sobra para se preocupar. Inclusive no Brasil.

Um dos primeiros decretos anunciados pela Casa Branca sob nova gestão foi o de exclusão dos EUA do Acordo de Paris. Isso já ocorrera na primeira gestão Trump. Mas agora, com a aceleração do avanço da temperatura global, os riscos são ainda maiores. Essa medida pode sinalizar o comprometimento ou atrasar o já capenga financiamento da transição energética – tema no qual o Brasil tem enorme potencial para se diferenciar no cenário global – entre países e entre mercados.

Nos últimos meses, quatro das maiores instituições financeiras dos EUA — Goldman Sachs, JPMorgan Chase, Wells Fargo e Citigroup — deixaram a Net-Zero Banking Alliance, uma iniciativa climática global. A maior gestora de ativos do mundo, a BlackRock, também se retirou da iniciativa Net Zero Asset Managers (Nzami). Essa tendência, contudo, não se limita ao setor financeiro: empresas como McDonald’s e Meta também recuaram em suas metas sociais, como a de diversidade e inclusão. Não podemos esquecer da dobradinha da Meta (Mark Zuckerberg) e X (Elon Musk) na proposta de afrouxamento das políticas de regulação das redes sociais e de moderação de conteúdo — medidas que, segundo eles, comprometem a liberdade de expressão.

A justificativa dada por essas corporações para a guinada de rumo são surrados argumentos, tais como custos muito elevados de implementação dos compromissos e metas ESG, retornos nem sempre tangíveis para os acionistas e para o posicionamento mercadológico das empresas e, em tempos de incerteza econômica, a “prioridade é manter o básico”. São desafios que ainda permanecem, mas para os quais já há respostas conceituais e práticas no mercado. Sendo assim, fica fácil concluir que o que de fato está em jogo é o que muitos de nós imaginávamos ultrapassado nos tempos atuais: lucro acima de tudo e a qualquer preço.

ESG de fachada

Esse retrocesso na agenda ESG – somado ao greenwashing – não é apenas uma contradição ética dessas corporações, uma espécie de hipocrisia corporativa. Revela também uma miopia estratégica. Estudos comprovam que empresas comprometidas de fato com a sustentabilidade tendem a apresentar maior resiliência em tempos de crise. Precisamente o que vivemos neste momento em todas as partes do mundo.

Ao abandonar a agenda ESG, essas corporações não só estão traindo a confiança de seus stakeholders, acionistas aí inseridos, mas colocando ainda mais em risco a vida no planeta.

O que levou a esta mudança repentina e fez as empresas ignorarem a ciência e as vozes crescentes que exigem responsabilidade e compromisso do setor privado? Será que essas corporações realmente acreditam que, em um mundo cada vez mais conectado e no qual a reputação é a moeda de maior valor, essa postura não terá consequências no longo prazo? Qual será o plano por traz dessas decisões: continuar sugando o planeta até que não haja mais nada para explorar – e então partir de foguete para destruir Marte?

Com a palavra e a tomada de decisão estão os CEOs das empresas brasileiras, os consumidores e demais stakeholders. Vamos seguir aqui a toada norte-americana?